terça-feira, 21 de agosto de 2018

A raposa e as uvas

- Ora que vida desgraçada esta – ia murmurando a raposa, enquanto caminhava por uma estrada, alta noite, direito a um povoado.
- Já lá vão dois dias que me deito sem cear, depois de passar o dia todo quase sem comer. Quem pode aguentar-se com uma fome destas? E é que nem uma galinha, nem um pinto, sequer, aparece por aí de forma a poder eu apanhá-lo. Nem os mais velhos se lembram de ter havido alguma vez uma fome destas. Como pode alguém mexer-se, andar, viver assim? As minhas pernas vergam-se sem força! Que desgraça! Se passo mais esta noite sem comer, amanhã nem posso levantar-me… Eu agora comia qualquer coisa, nem que fosse um chinelo velho…
Chegando à povoação, a raposa saltou para uma quinta, e, cautelosamente, a farejar, começou a andar por entre as árvores, à procura de uma capoeira.
- Estou para ver se nem uma ninhada de pintos encontro aqui… Que desgraça… que desgraça…
Ia por debaixo de um parreiral e, fazendo estas exclamações, levantou os olhos chorosos para o céu não viu o tal Deus, mas viu um lindo cacho de uvas, madurinho que devia ser uma delícia. Estacou a contemplar as uvas e disse baixinho:
- Que bem me sabiam aquelas uvas, se eu pudesse apanhá-las…
Começou a dar saltos a ver se conseguia alcançar o cacho, mas por mais esforços que fizesse não pôde chegar-lhe.
            Então continuou a caminhar, a caminhar, à procura da capoeira, e disse em voz alta:
            - Muito tola sou! Para que queria eu as uvas, que é coisa de que não gosto e demais estando tão verdes… Até podiam estragar-me os dentes…
            Eis como a raposa, não podendo apanhar as uvas cobiçadas, fingiu que as desprezava, para não demonstrar a sua fraqueza. É isto exatamente o que muita gente faz.


 Alsácia Fontes Machado, Fábulas de Animais e Outras, Veja, 1994

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Mickey Mouse Babie feu Pot oublié d'éteindre le poêle! Minnie Mouse Anim...

O galo e a pérola








Um galo viu perdida,
Uma pérola polida
Que abandonou aos pardais…
“Admiro – disse – o seu brilho,
Mas se fosse um grão de milho
Para mim valia mais!”

Também um pobre ignorante
Que herdara um livro importante
O foi vender ao livreiro,
Dizendo com seus botões:
“Mais me valem dez tostões
Que ao menos sempre é dinheiro.”

João de Ramos (versão de), Fábulas para Gente Jovem, Cultarte, s/d


quarta-feira, 15 de agosto de 2018

A lenda da Atlântida




Há muitos, muitos anos, teria existido a meio do oceano uma grande ilha ou mesmo um continente, chamado Atlântida.
Era uma terra maravilhosa, com clima suave, grandes bosques, árvores gigantescas e planícies tão férteis que davam duas ou mais colheitas por ano. Nas grutas abrigavam-se animais selvagens e pelos montes corriam manadas de cavalos brancos.
Os atletas eram ricos, poderosos e muito civilizados. Construíram cidades fantásticas. Os palácios e templos tinham as paredes cobertas de marfim e de metais preciosos como ouro, prata e estanho.
Havia também jardins, ginásios, estádios ricamente decorados com belas estátuas. Nos portos abrigavam-se milhares de navios.
As jóias eram fabricadas num metal que só eles possuíam, o oricalco, mais valioso do que o ouro.
Houve uma época em que o rei da Atlântida conseguiu dominar várias ilhas em redor, grandes extensões da Europa e uma parte do Norte de África. Mas acabou sendo derrotado pelos gregos de Atenas.
A Atlântida desapareceu devido a um tremor de terra violentíssimo. Foi engolida pelo mar numa só noite.
Há quem diga que os únicos vestígios deixados à superfície foram postas de lado.
Mas também há quem garanta que os cumes das montanhas ficaram de fora transformados em ilhas e que essas ilhas são os Açores.
Na Antiguidade, as notícias a respeito da Atlântida passaram de boca em boca durante muitas gerações. O primeiro que as registou por escrito foi um pensador grego chamado Platão, que viveu no século V antes de Cristo.
Depois, muita gente escreveu a respeito do continente desaparecido. No início do nosso século já havia mil e setecentos livros publicados sobre o assunto e raro é o ano em que não aparecem estudos, artigos em jornais e revistas, livros variados.
Certas associações continuam a procurar desesperadamente os restos da Atlântida no fundo do mar.

Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada


terça-feira, 7 de agosto de 2018

A Lebre e a Tartaruga





A Lebre andava sempre ligeira, quase a correr como o vento, e fazia-lhe nervoso ver a pachorrenta da Tartaruga a caminhar vagarosamente para onde quer que fosse. Chovesse ou fizesse sol, houvesse perigo ou não, a Sra. Tartaruga não passava do seu passo habitual, pausado e sossegado.
Nos dias de festa, quando a bicharada combinava para sair junta e todos se punham a andar, era certo e sabido que a velha Tartaruga ficava à cauda do rancho, a fechar a marcha, a andar compassada, tão mole, tão mole, que a Lebre tomava fôlego, andava pelas duas e duas à frente de todos, a correr, como lebre que era.
            E um belo dia não se conteve e disse para a Tartaruga:
            - Se eu fosse como a senhora já tinha morrido de aborrecimento. Eu podia cá andar nesse passinho de enterro! Eu ainda queria vê-la correr comigo, a ver se espertava.
            - Muito bem – respondeu a Tartaruga, pacatamente. – Vamos lá experimentar isso. Fazemos uma corrida de cinco quilómetros, e aposto que quem vai ganhá-la sou eu.
            - Bonita aposta! – replicou a Lebre. – Vamos já sair de dúvidas.
Convidaram a raposa para juiz e ambas partiram para a corrida.
A Lebre, como sempre, largou veloz como um foguete e em pouco tempo se perdeu de vista. A Tartaruga, como era seu costume, deixou-se ficar a andar lentamente, a andar… a andar… pela estrada fora.
            Depois de correr um bocado, a Lebre voltou-se para trás e, não avistando a tartaruga, deu uma gargalhada.
            - A esta hora ainda ela está dando as primeiras passadas. Nem me vale a pena andar mais por agora. Até tenho tempo de dormir uma soneca enquanto espero por essa papa-açorda.
            E deitou-se na relva fresquinha e apetitosa que havia à beira do caminho, principiando logo a dormir. Dormiu, sonhou, ressonou… e entretanto a Tartaruga, que vinha a andar devagar, muito devagarinho, mas sem perder um momento, passou junto dela, viu como a sua contendora dormia descuidadamente, sorriu-se e continuou o seu caminho.
            Quando a Lebre acordou voltou a olhar para trás.
“Ainda não há de vir a meio caminho” pensou. Agora em quatro pulos chego ao fim e ganhei a aposta.“
Mas quando olhou para diante viu a Tartaruga, que acabava de chegar naquele instante ao lugar combinado para o fim da corrida. Tinha ganho a aposta!
            E a Lebre, abatida no seu orgulho de boa corredora, ficou a pensar:
“Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo.”

ALSÁCIA FONTES MACHADO, Fábulas de Animais e Outras, Editora Vega, 1994