sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Agrião

Nasturtium officinale

Família: Família da mostarda (Brassicacae)

Origem: O agrião é natural da Europa, mas hoje em dia pode ser encontrado em todas as regiões temperadas. Frequentemente cresce perto da água e é por vezes denominado agrião de água ou de ribeiro. Já os romanos os utilizavam em saladas e tempero. Pode encontrá-lo sob o nome de “Rorippa nasturtium-aquaticum”.

Características: Esta planta aquática e de regiões alagadas cresce até aos 70 cm de altura e as suas folhas são densas.
As raízes espessas seguram a planta firmemente à terra e as folhas estão dentro e fora de água. No Verão, as folhas brancas contrastam com os ramos verde-escuros. As folhas contém um óleo amargo essencial (óleo de mostarda glucósido), vitaminas, substâncias minerais, taninos e alcalóides.

Espécies Relacionadas: O agrião de folha pequena (Nasturtium microphylum) é reconhecidamente resistente à geada.

Habitat: O agrião é uma erva utilizada para saladas que cresce em zonas frias, em locais parcial ou totalmente à sombra.
Prefere um solo rico e argiloso, que deverá estar constantemente húmido.

Cultivo: As plantas requerem alguma atenção enquanto estão a crescer porque necessitam de água com 1 m de profundidade. Pode encontrar estas condições específicas em sapais ao redor de pequenos lagos.

Colheita: As partes mais saborosas são as folhas e os rebentos mais recentes, que devem ser colhidos antes da planta florir. Preserve-as num copo de água colocado à sombra para manter as plantas frescas. É muito importante serem lavadas antes de utilizadas.

SUGESTÃO ESPECIAL

Salada de Agrião com Abacate

Para preparar uma salada de verduras, necessita de 1 ou 2 mãos cheias de agrião e uma pequena porção de dente de leão, urtiga e folhas de bétula. Corte um abacate às fatias e coloque-as sobre a salada. Cubra com um molho de vinagreta e o sumo de um limão. Adicione sal. Esta mistura rica em vitaminas é muito saborosa durante todo o ano.

USOS
Cozinha: Pode utilizar o agrião juntamente com outras verduras. É muito saboroso em sanduíches ou com queijo fresco. Também dá às sopas um travo característico!

Propriedades Medicinais: Esta erva estimula a vesícula, rins e fígado. Também ajuda a digestão e purifica o sangue, e durante a Primavera pode incluí-la em dietas de emagrecimento. É indicada para problemas reumáticos e gota.

Cosmética: O sumo de agrião contém uma substância essencial antibiótica que limpa e purifica a pele. Use um pano para friccionar e aplicar sobre a pele irritada. Também serve para aclarar as sardas que surgem no Verão aplicando a erva esmagada sobre a pele à noite.

Usos Decorativos: O agrião é cultivado nas margens de lagos de jardim ou ribeiros, e cobre-as com as suas flores brancas.


PRECAUÇÃO IMPORTANTE

Quando colher agrião silvestre, tenha em consideração a pureza da água onde a planta cresceu, de outra forma pode correr o risco de contrair doenças. Doses exageradas de agrião podem provocar problemas renais, por isso não consuma mais de 30 g por dia.

Andrea Rausch e Brigitte Lotz, O Guia das Ervas Aromáticas

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O SAPATEIRO



Na rua do sapateiro Felício havia música de manhã à noite.
Desde que principiava a trabalhar até que se deitava, Felício tinha sempre uma cantiga para tudo.
Logo de manhã, dizia adeus aos filhos que iam para a escola, e cantava:

Entra o sol pela janela
Para aos meus braços dar alento:
Com a força dos meus braços
É que os meus filhos sustento!


Punha o avental, e sentava-se à sua mesa de trabalho, onde se acumulavam
martelos,
facas
turqueses
sovelas
agulhas
tenalhas
pés-de-ferro
vazadores
tesouras
e
perfuradores

e, entre muitas cantorias, começava logo a pôr

meias-solas
gáspeas
almas
saltos
tacões
fivelas
fechos
pregos
e
atacadores

Junto ao banquinho onde se sentava empilhavam-se sapatos
de borracha
de verniz
de camurça
de couros
de saltos altos
de saltos rasos
de atacadores
de pala
e
de ténis

E, junto ao monte de sapatos empilhavam-se
sandálias
chinelas
tamancos
botas
botinas
mocassins
alpercatas
escarpins
e
coturnos

E o sapateiro chegava para tudo, trabalhando noite e dia, sempre ao som das cantigas que lhe saíam da boca tão naturalmente como os sapatos lhe saíam das mãos.
Um vizinho muito rico, que todos os dias o ouvia, achou que tamanha dedicação ao trabalho merecia recompensa.


Então ordenou aos seus criados que fizessem um grande bolo de frutas e mel – e, bem escondido, meteu-lhe dentro um saco cheio de moedas de ouro.
Depois mandou que o entregassem na casa do sapateiro.
- Mas que belo presente veio de casa do nosso vizinho! – exclamou a mulher.
- Só de olhar para este bolo já me cresce água na boca! – disse o filho mais velho, que chegava da escola.
- O nosso vizinho é um homem muito amável – disse o sapateiro -, mas eu acho que vou oferecer este bolo ao médico que nos tem curado de tantas doenças sem nunca nos pedir dinheiro. É uma maneira de lhe agradecermos o que tem feito por nós.
E nessa noite o sapateiro e a mulher foram a casa do médico e entregaram-lhe o bolo de frutas e mel.

No dia seguinte, o vizinho admirou-se de ver o sapateiro sentar-se à sua mesa logo ao romper do sol, cantando:

Entra o sol pela janela
para aos meus braços dar alento:
com a força dos meus braços
é que os meus filhos sustento!


E mandou-o chamar.
- Por que continuas a trabalhar tanto? – perguntou-lhe.
- Porque preciso de dinheiro para criar os meus filhos.
- Não comeste o bolo de fruta e mel que te mandei?
Então o sapateiro contou-lhe o destino que tinha dado ao bolo.
O vizinho não disse nada e voltou para casa, a pensar noutra maneira de ajudar Felício.
Enviou então os seus criados ao pinhal que havia à entrada da aldeia, ordenando-lhes que cortassem muitos toros de madeira.
Depois encheu alguns deles com moedas de prata e mandou entregá-los a casa de Felício.
- Mais um presente do nosso vizinho! – exclamou a mulher.
- Como vamos ficar quentinhos quando acendermos a lareira! – disse o filho do meio, que estava a chegar da escola, esfregando as mãos do frio que fazia lá por fora.
- O nosso vizinho é um homem muito amável – disse o sapateiro. – Mas não me posso esquecer do nosso amigo padeiro, que, em tempos de menos trabalhos e de pouco dinheiro cá em casa, nunca deixou de nos entregar o pão, mesmo que não lho pagássemos. Acho que lhe vou oferecer esta madeira.

Assim o fez.

No dia seguinte o vizinho voltou a surpreender-se ao ver de novo o sapateiro à sua mesa de trabalho, cantando:

Entra o sol pela janela
para aos meus braços dar alento:
com a força dos meus braços
é que os meus filhos sustento!


E de novo o mandou chamar.
E de novo o sapateiro o informou do destino que tinha dado aos touros de madeira.
- Não há dúvida – exclamou o vizinho -, nasceste mesmo para trabalhar! Por duas vezes te dei oportunidade de ficares rico, e das duas vezes desprezaste a riqueza.
Agora já não te posso voltar a ajudar. Tudo o que tenho é este bocado de chumbo, que não serve para nada. Mas, ao menos, olhando para ele, sempre te hás-de lembrar de mim.
O sapateiro agradeceu e voltou para casa.
E na manhã seguinte lá estava ele, ao romper do dia, a trabalhar e a cantar:

Entra o sol pela janela
para aos meus braços dar alento:
com a força dos meus braços
é que os meus filhos sustento!


Então bateu à porta a mulher do pescador Inácio, que morava ali perto:
- Ó vizinho Felício, o meu homem vai agora para a pesca mas falta-lhe chumbo para as redes. Será que encontra aí, nessa sua mesa de trabalho onde há de tudo, um bocadinho de chumbo que lhe possa dar?
- Vem mesmo a calhar – disse o sapateiro, passando-lhe para as mãos o bocado de chumbo que o vizinho lhe tinha dado.
Nesse dia a pescaria foi muito boa, e Inácio estava contente. Tão contente que, antes de chegar a casa, passou pela casa do sapateiro Felício e ofereceu-lhe um dos peixes que tinham vindo na rede.
A mulher de Felício agradeceu muito e foi logo para a cozinha preparar o peixe para a ceia.
Estava ela a retirar-lhe as tripas para o pôr a assar quando, de dentro da barriga do peixe, saltou uma pequena pedra, muito brilhante.
- Ainda bem que dei por esta pedra – exclamou a mulher. – Quem a trincasse podia partir um dente.
Mas era uma pedra tão bonita e tão brilhante que ela teve pena de a deitar para o lixo, juntamente com as tripas do peixe. Então decidiu dá-la aos filhos, para que brincassem com ela. O dinheiro lá em casa nunca sobrava para comprar brinquedos, por isso aquela pedra vinha mesmo a calhar.
Mas um dia o ourives da terra foi a casa do sapateiro com umas botas para arranjar e viu a pedra com que as crianças brincavam. Habituado a trabalhar com pedras preciosas, aquele brilho não o enganou. Homem honesto, alertou de imediato o sapateiro:
- Não sei como aquela pedra veio aqui parar, mas olha que vale muito dinheiro! O sapateiro deu uma gargalhada:
- Só podes estar a brincar! Aquela pedra tirou a minha mulher da barriga de um peixe que o nosso vizinho Inácio pescou!
Mas o ourives insistiu:
- É uma pedra preciosa. Se não acreditas em mim, vamos os dois ao palácio real: o ourives do rei dirá então de sua justiça.
E foram os dois ao palácio.


O ourives real olhou para a pedra e exclamou.
- Que maravilha! Há muito tempo que não via uma pedra com esta cor, este brilho, esta luz!
- É então uma pedra preciosa? – perguntou o sapateiro, ainda sem acreditar muito.
- Preciosa? Pre-ci-o-sí-ssi-ma! – disse o ourives real.
- E vale muito dinheiro? – perguntou o sapateiro, ainda sem acreditar na sua sorte.
- Tanto dinheiro – disse o ourives real – que só o rei poderá comprá-la.
Nesse momento o rei entrou na sala e, diante da beleza da pedra, quis logo comprá-la para a incluir no seu tesouro.
Chamou o tesoureiro do reino e ordenou-lhe que desse ao sapateiro dez sacos de moedas de ouro.
Voltou o sapateiro para casa com aquela enorme fortuna aos ombros.


- Que vamos fazer a tanto dinheiro, homem? – exclamou a mulher.
- Gastá-lo! – disse o sapateiro, rindo.
- Estás doido? – exclamou a mulher. – Vamos é guardá-lo para quando chegar a velhice e ele nos fizer falta.
- Mas a mim faz-me falta um casaco… - disse o filho mais velho, que sofria muito com o frio do Inverno.
- E a mim faz-me falta um boné… - disse o filho do meio, que sofria muito com o calor do sol no Verão.
- E a mim fazem-me falta lápis de cor para desenhar borboletas e flores do campo – disse o filho mais novo, que sofria muito por não poder ter sempre em sua casa as cores da Primavera.
- E a mim fazem-me falta novas ferramentas… - murmurou o sapateiro.
E a mulher acabou por confessar que a ela também dava jeito uma saia nova, e que na cozinha havia falta de tachos e panelas.

Mas, mesmo depois de terem comprado

casacos
bonés
caixas de lápis
caixas de ferramentas
saias
panelas
e
tachos

e depois de terem ainda comprado

uma vaca
um porco
uma ovelha
dez galinhas
e
sementes para plantarem na horta

e depois de terem dado algumas moedas
ao ourives da terra
ao médico
ao padeiro
e
ao pescador Inácio
ainda nem sequer tinham gasto um saco de moedas de ouro.

- Que faremos a tanto dinheiro? – perguntou de novo a mulher.
- Enterramos no quintal – disse o sapateiro – até chegar a velhice.

E os sacos foram enterrados debaixo da figueira que dava para a estrada.

Nessa noite, em casa do sapateiro ninguém conseguiu dormir, com medo que alguém descobrisse o tesouro e o roubasse. Por isso decidiram que, a partir daquele dia, um deles ficaria sempre acordado de noite, a guardar as moedas.


O primeiro a ficar de guarda foi o sapateiro, a seguir a mulher, e depois cada um dos filhos.
Mas no fim do primeiro mês andavam todos maldispostos e a cair de cansados, com falta de sono.
E o professor da escola mandou dizer que os filhos do sapateiro dormiam na sala de aula, não prestavam atenção e não conseguiam aprender nada.
E a mulher do sapateiro adormecia junto do fogão e deixava queimar a comida.
E o sapateiro punha tacões rasos onde devia pôr saltos, fivelas onde lhe tinham pedido para pôr fechos, gáspeas onde era preciso pôr meias-solas. E as pessoas começaram a deixar de lhe dar trabalho.

Então o sapateiro disse que melhor seria guardarem o dinheiro debaixo do colchão: ao menos sempre poderiam dormir descansados.
E o dinheiro foi distribuído por todos os colchões da casa.
Mas o sapateiro todas as noites tinha pesadelos, sonhando que alguém entrava no quarto para o roubar.
E a mulher todas as manhãs ia contar o dinheiro que estava debaixo do seu colchão, desconfiada de que um dos filhos o roubava.
E os três irmãos começaram a desconfiar uns dos outros.
E dentro de pouco tempo todos desconfiavam de todos, e nunca mais houve um momento de sossego naquela casa.

E o trabalho começava a faltar.
E o sapateiro já não cantava.
E os filhos tinham desistido de ir para a escola.
E a mulher já não tratava da casa nem da comida nem da roupa.
Porque agora todos tinham uma única preocupação: vigiar o dinheiro noite e dia.
Até que um dia a mulher suspirou e disse:
- Que saudades eu tenho do tempo em que não tínhamos dinheiro!
E o sapateiro disse:
- Que saudades eu tenho do tempo em que começava a trabalhar logo de manhã!
E os filhos disseram:
- Que saudades do tempo em que íamos para a escola e tu ficavas à janela a dizer-nos adeus e a cantar!

E todos concordaram que, se não fosse o dinheiro, todos seriam mais felizes.
E todos concordaram que seria bem melhor se pudessem regressar à vida tranquila e alegre que antes tinham.
Então o sapateiro pegou nos sacos de moedas e foi ao palácio real.
E entregou-os ao rei, dizendo que não precisava de tal fortuna, pois podia bem trabalhar para sustentar a família.
- E quando chegar a tua velhice e a da tua mulher? – perguntou o rei.
- Os meus filhos, que andam a estudar, terão nessa altura aprendido o suficiente para serem eles a tratar de nós – disse o sapateiro, acrescentando: - Mas há muita gente que não consegue já trabalhar e não tem filhos que os ajudem.
Por isso peço-te que fiques com esse dinheiro mas que faças bom uso dele!
E o rei prometeu. E o sapateiro voltou para casa.

E bem cedinho na manhã seguinte, depois de se despedir dos filhos que iam para a escola, sentou-se à sua mesa de trabalho cantando:

Entra o sol pela janela
Para aos meus braços dar alento:
Com a força dos meus braços
É que os meus filhos sustento!


E, segundo toda a gente afirma, desde esse dia, na terra do sapateiro Felício toda a gente viveu feliz para sempre.



Alice Vieira, Histórias Tradicionais Portuguesas