A raposa e
as uvas
- Ora que
vida desgraçada esta – ia murmurando a raposa, enquanto caminhava por uma
estrada, alta noite, direito a um povoado.
- Já lá vão
dois dias que me deito sem cear, depois de passar o dia todo quase sem comer.
Quem pode aguentar-se com uma fome destas? E é que nem uma galinha, nem um
pinto, sequer, aparece por aí de forma a poder eu apanhá-lo. Nem os mais velhos
se lembram de ter havido alguma vez uma fome destas. Como pode alguém mexer-se,
andar, viver assim? As minhas pernas vergam-se sem força! Que desgraça! Se
passo mais esta noite sem comer, amanhã nem posso levantar-me… Eu agora comia
qualquer coisa, nem que fosse um chinelo velho…
Chegando à povoação, a
raposa saltou para uma quinta, e, cautelosamente, a farejar, começou a andar
por entre as árvores, à procura de uma capoeira.
- Estou para ver se nem uma
ninhada de pintos encontro aqui… Que desgraça… que desgraça…
Ia por debaixo de um parreiral
e, fazendo estas exclamações, levantou os olhos chorosos para o céu não viu o
tal Deus, mas viu um lindo cacho de uvas, madurinho que devia ser uma delícia.
Estacou a contemplar as uvas e disse baixinho:
- Que bem me sabiam aquelas
uvas, se eu pudesse apanhá-las…
Começou a dar saltos a ver
se conseguia alcançar o cacho, mas por mais esforços que fizesse não pôde
chegar-lhe.
Então
continuou a caminhar, a caminhar, à procura da capoeira, e disse em voz alta:
-
Muito tola sou! Para que queria eu as uvas, que é coisa de que não gosto e
demais estando tão verdes… Até podiam estragar-me os dentes…
Eis
como a raposa, não podendo apanhar as uvas cobiçadas, fingiu que as desprezava,
para não demonstrar a sua fraqueza. É isto exatamente o que muita gente faz.