Como
naquele verão fazia muito calor, um lobo dirigiu-se a um ribeirito. Quando se
preparava para se mergulhar o focinho na água, ouviu um leve rumor de erva a
mexer-se. Virou-se a cabeça nessa e viu, mais adiante, um cordeirinho que bebia
tranquilamente.
“Vem a propósito!” – pensou o lobo de si para si. –
“Vim aqui beber e encontro também o que comer…”
Aclarou a voz, pôs um ar severo e exclamou:
- Eh! Tu aí!
- É comigo que está a falar, senhor? – perguntou o
cordeiro. – Que deseja?
- O que é que desejo? Mas é evidente, meu malcriado!
Não vês que ao beber me turvas a água? Nunca ninguém te ensinou a respeitar os
mais velhos?
- Mas… senhor! Como pode dizer isso? Olhe como bebo
com a ponta da língua… Além disso, com sua licença, eu estou mais abaixo e o
senhor mais acima. A água passa primeiro por si e só depois por mim.
Não
é possível que esteja a incomodá-lo! – respondeu o cordeirinho com voz trémula.
- Histórias! Com a tua idade já me queres ensinar para
que lado corre a água?
- Não, não é isso… Só queria que reparasse…
- Qual reparar nem meio reparar! Olha que não me
enganas! Pensas que te escapas, como no ano passado, quando andavas por aí a
dizer mal da minha família? “Os lobos são assim… os lobos são assado…” Tiveste
muita sorte por eu nunca te ter encontrado, senão já te tinha mostrado como são
os lobos!
- Não sei quem lhe terá contado tal coisa, senhor, mas
olhe que é falso, acredite. A prova é que no ano passado eu ainda não tinha
nascido.
- Pois se não foste tu, foi o teu pai! – rosnou o
lobo, saltando em cima do pobre inocente.
Moral da história: para alguém decidido a fazer o mal a
todo o custo, qualquer razão serve, ainda que seja uma mentira.
Esopo, As Mais Belas Fábulas de Esopo, Civilização
Editora, 1994
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